terça-feira, 30 de dezembro de 2008

_Em pó.

O interior que se desdobra em avessos. O de fora que sufoca e provoca. Devora. Corrói e se transforma em cinzas. Um corpo desmanchado em pó, que se liberta com o vento que passa, aliviando-se da realidade que o mata.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

_história sem fim.

Era pôr-do-sol quando ela chegou. Sentou na minha mesa acompanhada de um amigo e me disse "oi" com sotaque lá de cima. Parecia divertida, meio perdida, pronta a ser encontrada. E foi. Nós descobrimos dentro daquela mulher, uma menina inocente, rara, imensa, pura.

O tempo correu, e nós passamos a fugir contra ele. Fizemos de tudo, experimentamos de tudo, rimos de tudo, choramos de tudo, nos escondemos de todos e nos mostramos ao mundo.

Ela, que surgiu do nada e fincou seus pés e garras na minha pele, deixou história por aqui. Uma história que não se apaga, se vive, mesmo que seja em memória, com lágrimas e sorrisos nos lábios, de quem um dia amou pra sempre.

E, assim, vai amar. vou amar.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

_labirinto.

Entre meus pulsos, perdi aquilo que já tinha sido em vão.

Desde o início. Um grande vão. Uma lacuna que talvez jamais tivesse existido, mas que em minhas entranhas se tornou um grande labirinto sem saída.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

_vento.

Bata seus braços contra o corpo e faça vento forte.

Somente o temporal é capaz de te levar adiante.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

_mito.

Me pega no colo e me leva para a beira da praia.

Me mostra que o mar não afoga, que a areia não é movediça, que a água é feita de açúcar, que o sol não derrete, que o vento não derruba, que a garrafa não guarda segredos, que a lua não se põe, que o horizonte é infinito, que meus sonhos são concretos e que o teu amor não é abstrato.

Me prova, e serei teu. Sem mais mitos.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

_reciclo.

De tempos em tempos, as cores se renovam. O azul que se torna verde, o amarelo que se desmancha em transparente, o preto que encontra sua paz no branco.

De mãos vazias ao peito cheio de medos. Um novo início ou um velho recomeço? do que já se viu, já se fez, já foi dito, sentido, desejado, perdido.

O vermelho tomou conta e logo fez de minhas páginas um romance em forma de borrão, que apagou meus pensamentos do eu sozinho e fez de você o protagonista de uma história sem mais capítulos.

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

_piano bar.

A fumaça branca que se dissipa contra um céu escuro e se derrama em chuva.

Pulmões quentes, coração em gelo. Mãos sem toque, pele em deserto.

Faça-me chorar, respirar, sobreviver.

Me peça o fogo mais uma vez, como se estivéssemos naquele bar em preto e branco.

As notas de piano que antes sossegavam nosso beijo, hoje anunciam tua partida.

Se quiser abrir a porta vai e vem, ande logo, antes que ambos viremos abóboras.

Somente desta vez não se esqueça de me devolver o isqueiro.

Afinal, o fogo sempre fica por minha conta.

Sempre.

sábado, 8 de novembro de 2008

_minha última idéia.

Se encolheu contra a vitrine molhada. Um lado gelado. Sozinha.

Correu na calçada vazia e buscou por um eco livre.

F ugindo de si mesma e daquele sujeito, ela sentou entre as sinaleiras. O sinal verde.

Abriu os braços contra o tracejado branco e esperou que seu destino a levasse.

Qualquer lugar, qualquer saída. Beco, ruela, esquina maldita.

Veio o vento. E com ele as folhas. E sem ele, o choro.

Suas lágrimas marcaram o asfalto, sua morte inaugurou o dia.

quero começar de novo. minha última idéia.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

_Ser.

A liberdade costumava beber do meu infinito. Não bebe mais. Minha liberdade encontrou seu fim no meu fim, e fez de um novo início meu recomeço. Recomeço de forma singela, menos expressivo, mais contido, menos perturbador. Porém, não menos vivo, porém, não menos sábio. Somente mais maduro. Menos verde. Mais envelhecido. Menos torto. Mais reto. Minha liberdade agora é reta. Reta feito um trilho de um trem, pronta a tomar outro rumo à qualquer momento.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

_pena de morte.

A maldição da palavra livre é a chuva mal intensionada. Enquanto uma clama por eternidade, a outra a destrói por natureza.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

_Orquestra.

Os dedos que tocam feito piano nas notas soltas do meu peito de violino, são os mesmos que arranham minha garganta e desafinam meus medos de menino.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

_Feito jogo.

Fase 1 - A obra de arte.

Por mais que você se destrua todas as noites, sempre estarei pela manhã recolhendo seus restos, e lhe remontando feito quebra-cabeças.

Fase 2 - O mágico.

Por você ainda espero, mesmo que seja pelo indefinido fragmento de uma doce ilusão.

Fase 3 - Game over

Ponha a mão contra o cérebro e pense. Respire fundo até cessar a dor. Olhe para frente e verás uma vitrine. Após quebrar a parede de vidro com seus pés, siga pulando os quadrados do corredor de chão xadrez. Abra a segunda porta à direita. Uma chave encontra-se sob o capacho marrom. Destranque lentamente a fechadura e adentre o ambiente. Há três janelas na parede da lateral esquerda do cômodo. A do meio estará aberta. Pule.
Ao cair sobre o solo árido do descampado, corra em direção à casa velha de madeira cinza. Um pequeno machado estará jogado no piso da varanda de entrada. Segure firme a ferramenta e destrua a porta de acesso principal.
Ela estará alí, sentada, tranqüila. À sua esquerda haverá uma lareira. Acenda. Logo, pegue o bule de chá que estará sobre a mesa de centro e sirva-se uma xícara. Tome um gole da bebida fria. Sente-se ao lado dela, que estará muda como sempre, e lhe mate com a verdade. Suas palavras irão feri-la aos pedaços. Primeiro irá cair um braço, o esquerdo. Em seguida ela ficará sem os olhos. Logo será a vez dos pulmões e dos pés. Por último, o coração dela irá se desfragmentar em inúmeras fissuras. Game over.


Por favor, não sinta-se culpado nem por um segundo. Na vida aprende-se diariamente que melhor a morte alheia do que a sua própria falta de ar.

terça-feira, 23 de setembro de 2008

_os Imperfeitos.

Nos espelhos de Isabela, entre a fumaça do embaçado quente que derrete-se em vapor contra o gelado dos azulejos, se imprimem fissuras.
Nas taças finas cristalinas de Romeu, um veneno diluído em água com gás.
Nas roupas claras de Marina, as manchas que se revelam através da impossibilidade de nenhum esconderijo.
No corpo esculpido de Felipe, cicatrizes em busca de cura, mas que hipócritamente negam seu progresso.

Todos seres com seus punhos agarrados às chaves que dão entrada à bolha da perfeição.

Pobres seres, afinal, o que todos enxergam exceto seus próprios reflexos, é que não estão muito longe do rótulo de pobres coitados.

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

_O tempo.

Nuvens ao vento marcam o meu tempo.
O úmido que se torna seco, o inquebrável que se parte ao meio, o colorido que se descolore em cinza.

Atrás dos vidros lá de casa, passam pássaros com asas de promessas. Pessoas que abrem seus braços em salto livre, voando sem sentido contra a maré. EU sou a maré. Um mar atordoado de repuxo violento.

A chuva do anoitecer tatua a pele do asfalto que cicatriza velozmente o chão de marcas invisíveis, enquanto meu peito aberto jamais se fecha, e sem saber ao certo o por quê, ele permanece alí sentado, à espera que o maldito tempo o cure.

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

_para onde foram todos?

A cada segundo, um sonho seca por volta de duas quadras de distância do meu travesseiro.
A cada duas quadras de distância, amores que se perdem, o ódio que renasce, a paz que se veste de preto.
Por mais que corras, ela te alcança. Por mais que permaneças, ela foge. E vai embora. E volta maior. E retorna mais voraz. Te assombrando feito criança sem berço, feito velho abandonado, cachorro sem dono.

Frustração - Mágoa - Tristeza - Ignorância - Dor.

Chame-a como quiser, porque independente de como a denomine, eu sei que ela está ao teu lado.

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

_Perdidos no vácuo.

Dos sapatos úmidos, esvaziei o teu cheiro.
Dos cadarços embaralhados, desatei meu passado.
Sólo murcho e movediço que me sustenta. Me leva pra onde? Qualquer lugar que seja.
Tirei do bolso as chaves sem segredos. Lacrei com força os meus armários e gavetas. Expulsei do peito teus demônios sem cabeças.

Chova sapos ou canivetes. Pouco me importa o que cai lá fora. Nuvens carregadas de pesadelos. Sombras sem preto, luzes sem foco, escuro sem medo.
Rasguei tuas fotos, cartas e presentes. Botei o mundo na balança do açougue da esquina perdida, e de repente me dei conta de que você é apenas mais um peso morto, solto no vácuo desse planeta cinza.

sábado, 16 de agosto de 2008

_Do que um dia fiz por ti.

Quando olho para dentro, vejo sangue cor de vinho.
Corto com os vidros do espelho o teu discreto rosto cínico.
Acho bom rezar bem alto para ver se alguém te escuta.
Pois não há cruz no mundo que cale baixo a tua culpa.

Se o dia não foi bom.

Se o amor não foi achado.

E um céu sem infinito, com um sol desaquecido.

Corra para bem longe e esqueça teu destino. Deixe mãe, pai e filho, e só escute o teu umbigo.
Dentro de mim não cabe mais amor e ódio doentio. Tua voz não me traz paz, o teu rosto, arrepio.
Exploda, morra, seque em qualquer terreno vazio. Chore, sofra, quebre. Não faça nada diferente do que um dia fiz por ti.

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

_entre nós dois.

Da porta fechada, se ouvem risos baixos.

Da gaveta lacrada, o silêncio que perturba.

Das janelas escuras, o olhar por de trás da cortina.

Embaixo da cama, o medo quase invisível.

Sobre as cobertas, o conforto cômodo.


Por de trás dos teus olhos, falsidade a ser explorada.

Entre os teus dentes, o veneno que escorre com direção definida.

Entre tuas pernas, o desejo eterno latente.

Entre eu e você, além de papéis, pedras e tesouras,

mora a infinita impossibilidade de ser.

terça-feira, 12 de agosto de 2008

_Mais uma vez.

Senta sossegado aqui no canto e respira fundo. Olha em volta. Nada mudou, viu? Nem eu mesmo mudei. Respira mais um pouco. Inspira profundo. Expira vazio. Sente o alívio? Chore, tema, sofra. Amanhã passa. Se não passar, outro dia passa. Eu sei.

Agora levanta. Vem comigo até a janela. Percebe o calor do sol? Abre a palma da sua mão. Sente a energia? Ela é sua. Somente sua. Agora fecha os dedos bem forte e os abra levemente contra seu peito aberto. Sentiu?

O amor se foi ontem de noite pela porta, ouvi dizer. Mas ele volta em breve, ok? Retorna mais maduro, mais experiente, mais adulto, eu diria. Ele pode vir da casa ao lado, do Rio de Janeiro, do México ou da Groelândia, que seja. Vai saber. Mas o importante é que ele volta. E sua respiração vai voltar naturalmente, como se estivesse em processo de renascimento, e seu sorriso assim como seu choro perderão total sentido. Mas caso o "tal do amor" saia correndo porta a fora novamente, não esqueça que estou aqui, com os lenços secos em mãos, lhe instruindo sem medo como inspirar e expirar novos ares, mais uma vez.

Aos meus amigos que sabem amar.

domingo, 27 de julho de 2008

_Luzes.

Eu estava meio tonto quando sentei na beirada do meio fio da calçada bamba. Ele sentou do meu lado e me ofereceu um pouco de água. Sentia sede, mas sede de saliva. Sede de corpo. Sede dele.

Os carros passavam entre nós como se fôssemos invisíveis. Nas minhas alturas, cada farol se transformava em um risco luminoso. Linhas perdidas. Traços fugitivos. Luzes desencontradas. Corpos em alto movimento, seguindo o lado oposto da monótona e sem personalidade inércia.

E eu era mais um. Apenas outro feixe de claridade, pouco alaranjado, que de fato não chegou a ser encontrado, porém tampouco perdido, pois mesmo no breu da meia noite, eu ainda era visto. De repente me acharam.

quinta-feira, 24 de julho de 2008

_página em branco.

Me encontro em branco. Em busca de alguma cor, uma palavra, verso, frase. Qualquer acumulado de letras, que preencha as minhas linhas e que me sugira um final feliz.

segunda-feira, 21 de julho de 2008

_Mirela.

Olhou para seus pés contra o chão natural e sentiu um leve comichão. Deitou seu corpo cansado contra o verde solo e se iludiu com o azul do céu. Tocou a terra com a ponta do dedão lilás e com o calcanhar roçou um pedregulho acinzentado. Uma brisa empurrou alguns fios de Mirela para o interior de sua boca. A saliva seca petrificou os cabelos castanhos da moça branca. Dobrou o rosto contra o chão e viu um pequeno verme amarelo. Voltou seu queixo para o infinito e rezou por luz. Suspirou três vezes. Empalideceu alguns tons. Em meio ao campo tranqüilo, Mirela fechou seus olhos, abriu sua boca e permitiu-se ser enterrada sem grandes cerimônias.

_prefiro os DOMINGOS.

Tenho medo das segundas.

As terças já me dão preguiça.

As quartas sempre me confundem.

Enlouqueço brevemente nas quintas.

Suicido-me lentamente nas sextas.

E aos domingos ressuscito, pronto para me jogar de mais um precipício.

terça-feira, 15 de julho de 2008

_Teu/ Tua.

Tua pele.

Tua cor.

Teu timbre.

Tua voz.

Teu sonho.

Teu tremor.

Tua linha.

Tua reta.

Teu lábio.

Teu pêlo.

Teu suor.

Teu jeito.

Tua fala.

Teu brinco.

Teu gozo.

Teu sabor.

Teu arrepio.

Tua saliva.

Tua mordida.

Teu momento.

Teu passo.

Tua corrida.

Teu salto.


Teu, sou todo teu.


Tua única lástima és tu não seres meu.

segunda-feira, 14 de julho de 2008

_Lençóis não tão brancos.

Sob lençóis não tão brancos fizemos nossa história. Embaixo da bagunça dos nossos lençóis construímos castelos de areia e sonhos de mentira. Em cima de lençóis não tão brancos, amassamos nossas peles e enrugamos nossos destinos. Sob lençóis não tão brancos, sufocamos um ao outro, fechamos nossas gargantas, cobrimos nossos ouvidos. Entre os lençóis não tão brancos, no meio de uma madrugada qualquer, se descobriram pedaços de panos amarelos. Na manhã daquele dia, antes de eu abrir os olhos, você se despertou de seus lençóis não tão brancos, e me sufocou com sua fronha sem cor nenhuma.

sexta-feira, 11 de julho de 2008

_Contra o tempo.

Sei que está na hora. Mas me dá mais quinze minutos? Não pode? Dez. Dez minutos, então?... Cinco? Me leva junto se possível. Eu não faço barulho. Não incomodo. Prometo. Me guarda em uma gaveta do teu armário que eu respiro baixinho. Eu juro. Me leva. Me leva e ilumina meu caminho de verde com os teus olhos e faz da minha vida essa molecagem - doce – feito – amendoim, feito merengue com chocolate. Leva?


Deixa comigo. Deixa comigo esse perfume de recém-nascido. Deixa pra mim esse espírito de muito vivido. Deixa no meu travesseiro os teus sonhos para que eu possa dormir mais tranqüilo de madrugada. Deixa?


Me dá mais cento e vinte segundos, vai! Tira da mala as cuecas, o creme de barbear e deita aqui comigo. Esquece as nuvens lá de cima e dorme um dia inteiro do meu lado, com o corpo embaralhado, como foi ontem, como poderia ser amanhã. Mas amanhã não tem mais tempo... Sinto que o tempo virou uma bomba relógio no meu pulso - TIC TAC - que te leva contra o vento e me deixa em solo úmido. Não imaginei teu surgimento, muito menos teu sumiço. Amanhã TU vais, mas pra sempre TU permaneces. E isso, não há tempo que apague, Varig Boy.

segunda-feira, 7 de julho de 2008

_quero pena.

Ontem à tarde tava quente. 36º. Me sentei no parapeito da janela em busca de brisa. Nem um sopro para minha consolação. Uma pena caiu sobre o meu joelho. Permaneci imóvel, estático, observando o elemento leve e branco que fazia cócegas de vez em quando sobre minha pele. Uma brisa passou. A pena se foi. Eu fiquei. A espera de mais brisa, ou quem sabe, de mais pena.

sábado, 5 de julho de 2008

_prazer maior.

Assumido. Gosto de beber, fumar, comer gordura, proteína em excesso, carboidratos aos kilos, sou apaixonado pela minha preguiça, detesto coisas verdes, gosto de sexo com homens, com mulheres, com mulheres e homens, sou fissurado em um travesseiro, em um porre, em uma dor de cabeça, em um bate-boca, em um problema, drama, sujeira, noite sem fim, msn, música ruim, putaria da internet, msn, não leio jornal e não vejo televisão. Não nasci para acrescentar nada ao mundo. E é justamente isto que me torna feliz. Ter a liberdade de fazer parte do núcleo invisível dos indivídiuos que compõe a escória do planeta imundice. Por vezes, nem eu lembro meu nome! Sou um nada, porém não sou vazio. Jamais.

_Senta e chora.

Tropecei duas vezes no mesmo lugar, no mesmo dia. Cheguei em casa e derrubei o mesmo copo de plástico azul no chão três vezes. Três! Na terceira, o copo lascou. Fui tomar um banho e queimei a resistência pelo tempo excessivo da ducha. - Ou sou demais para o chuveiro ou ele é pouco para mim, pensei desprovido de lógica. Fui me secar. Todas as toalhas molhadas. Vesti o blusão sobre o corpo encharcado e sai descalço pela casa fazendo uma trilha de pequenas poças por onde passava. Pisei em um prego solto que estava no chão. - Como, cacete? Não prego nada há séculos! Enfim... Abri a geladeira faminto como sempre. Ao pegar a panela que comportava minha única possibilidade de janta, sem querer virei a panela no chão. Obviamente, ela caiu com a parte superior destampada virada para o chão. Adeus janta, adeus moral. Pensei o que fazer. Não havia o quê. Então, sentei, respirei fundo e chorei.

quarta-feira, 2 de julho de 2008

_Tão simples assim.

Eu estava sentado na beira do mar quando ele veio e se juntou a mim. Olhou nos meus olhos e em seguida mirou o horizonte finito. Não perguntou meu nome, muito menos o que eu fazia ali. Pegou na minha mão e passou seu dedo indicador sobre uma de minhas veias. A maior delas, a mais verde-escuro delas. Senti uma ardência sobre a pele. Se aproximou do pé do meu ouvido e soprou um vento de suspiros vazios. Levantou-se, cutucou a ponta de seu pé esquerdo na espuma branca do mar e olhou para trás. Correu com seus olhos pelo local onde eu estava. Me encontrou em um ponto mais distante de onde havia me deixado. Estranho. Muito estranho. Escavou com suas unhas limpas uma estrela do mar enterrada. Vinha em minha direção cada vez mais rápido com seu presente em punho, porém nunca me alcançava. Quanto mais corria com sua estrela, mais me perdia de vista. Sem eu nem mesmo me mover, eu me arrastava contra a areia maciça, cuja solidez em breve virou movediça, e me tragou para o centro da terra, para o centro de mim mesmo. Numa velocidade surpreendente, ia me afastando do misterioso sujeito, que semelhante a um passe de mágica surgiu em minha vida, me encantou com sua pretensiosa beleza, mas que esqueceu apenas de perguntar o meu nome. Tão simples assim.

terça-feira, 1 de julho de 2008

_entre o Paraíso e o Inferno.

Um floco de gelo entrou pela minha janela. Ao atingir o chão, a unidade de neve derreteu contra o carpete quente. Olhei abismado. Me aproximei do parapeito e percebi uma quantidade absurda de outros flocos vindo em minha direção. Fechei as janelas num ato veloz de pânico, enquanto ouvia a bola de neve crescente engolir o que via pela frente. Corri em desatino pelas escadas do corredor. Podia ouvir ao longe os vidros em altos estilhaços. O chão tremeu. Um frio congelante empedrou a maçaneta da porta de saída. Com o extintor de incêndio em mãos, quebrei a fechadura. Ao abrir a porta, me deparei com um novo mundo, cuja aparência me confundiu brevemente entre o paraíso e o inferno. Cabia a mim escolher em que solo iria pisar.

segunda-feira, 30 de junho de 2008

O limão entrou na roda. E azedou.

O limão entrou na roda. Passou de mão em mão. Ele foi e voltou. E parou em mim. Olhei pro limão. Descasquei e chupei seu caldo ácido. O limão estava azedo. Bem azedo. Espremi entre os dedos em busca de um pouco de açúcar. O líquido queimou a palma da minha mão. Por instantes, apagou minhas digitais. Lambi o suco que escorria pelo meu pulso e logo joguei a fruta no lixo. Azedume não mata a minha fome. Mata a minha essência.

A louca da Rita.

Gotas de suor caíram sobre os longos fios de cabelos de Rita. Um vento vindo do norte, seco e abafado evaporou as lágrimas da testa da jovem. Antes de atravessar a rua em meio a tantos carros velhos e sujos, Rita contou até 15. A sinaleira foi para o VERMELHO sinalizando a paralisia do movimento dos corpos.

Uma senhora de idade olhava pela janela. Tirava a poeira do parapeito vinda do metrô estagnado em frente ao seu prédio. Dona Sueli não gostava da sujeira arrastada do subúrbio pelo gigante vagão de metal. Ao olhar para o asfalto, Sueli avistou Rita, que contava até quinze ao lado de diversos carros parados esperando o sinal VERDE.

Gabriel saia da padaria com seus seis pães franceses. Sentiu uma leve poeira cair sobre o papel pardo que embrulhava suas migalhas encubadas. Ouviu um suspiro de Martha que vinha em sua direção e em seguida uma freada brusca.

Rita não era FELIZ, obviamente. Dona Sueli não tinha o que fazer além de ficar na janela, obviamente. Gabriel não sabe o que ele tem a ver com a Sueli muito menos com a louca da Rita. Mas nenhum pode fugir do MEDO de ser “Rita” algum dia. A menina loira, rica e saudável, que um dia viu a loucura bater na sua janela devido ao desapego. Desapego do mundo perante suas idéias e paixões. Um colorido universo que infelizmente somente Rita conseguia decifrar suas cores. Ela podia ser TANTO se houvesse ao menos uma pupila atenta para seu umbigo. Porém, Rita não existia. Assim como Dona Sueli e Gabriel, que também jamais eram vistos, ou melhor, jamais eram PERCEBIDOS em meio ao caos urbano que trouxe a evolução do raciocínio humano. Mas a diferença entre os três seres invisíveis era o desejo de ser visto. A suicida não era louca. Era apenas ambiciosa.

Sim, faltou a Martha! Bom, a Martha era apenas mais uma em meio à multidão. Assim como todos NÓS.

quinta-feira, 26 de junho de 2008

_Corra, Fulano, corra!

Corra! Corra contra o tempo, pois todos já chegaram lá! Não vê os sorrisos? Não enxerga as mãos dadas? Não escuta as gargalhadas? Não deseja isso para você? Então corra, filho, contra tudo que você acredita e sente, pois para estar na postura alheia, deve-se matar primeiro. Matar a si mesmo, os seus sonhos, seus princípios. Pois os teus atuais não podem ser os mesmos para estar lá. Mas lá tá bacana, não é? Tá bonito, não é? Pois então, se mate e faça sua ressurreição como mais um. Apenas mais um. E seja feliz.

quarta-feira, 25 de junho de 2008

O medo de João

O maior medo de João era o escuro. O escuro imprevisível que tornava todos invisíveis. No escuro João não se encontrava. Esbarrava em pontas agudas enquanto feria seu corpo. Ouvia no fundo de algum lugar que não conhecia um eco esquisito e desconfortável. A temperatura no buraco negro é fria. Não sobe. Ninguém se mexe e ninguém se aquece. O escuro bloqueia, paralisa, emudece. Todos ficam quietos para ouvir. - Ouvir o quê? pensa João. Ouvir o primeiro corajoso a dizer “Estou aqui! No canto esquerdo perto da porta de saída”. Porém ninguém diz. Ninguém fala. Ou se esquece de falar. Ficar quieto sem ser encontrado em lugar algum talvez seja mais cômodo do que ser cutucado por um estranho no meio do caminho. E também ninguém se move. Estátuas humanas em meio a um espaço gigantesco a ser explorado. Espaço à principio que João talvez nunca conheça. Pois para falar em meio à escuridão, João precisa ser ouvido. E para ouvir, o que ele mais necessita é de um som, por mais distante que inicialmente possa soar. João só precisa que alguém diga: - Dá pra acender a porra da luz, por favor!