domingo, 27 de julho de 2008

_Luzes.

Eu estava meio tonto quando sentei na beirada do meio fio da calçada bamba. Ele sentou do meu lado e me ofereceu um pouco de água. Sentia sede, mas sede de saliva. Sede de corpo. Sede dele.

Os carros passavam entre nós como se fôssemos invisíveis. Nas minhas alturas, cada farol se transformava em um risco luminoso. Linhas perdidas. Traços fugitivos. Luzes desencontradas. Corpos em alto movimento, seguindo o lado oposto da monótona e sem personalidade inércia.

E eu era mais um. Apenas outro feixe de claridade, pouco alaranjado, que de fato não chegou a ser encontrado, porém tampouco perdido, pois mesmo no breu da meia noite, eu ainda era visto. De repente me acharam.

quinta-feira, 24 de julho de 2008

_página em branco.

Me encontro em branco. Em busca de alguma cor, uma palavra, verso, frase. Qualquer acumulado de letras, que preencha as minhas linhas e que me sugira um final feliz.

segunda-feira, 21 de julho de 2008

_Mirela.

Olhou para seus pés contra o chão natural e sentiu um leve comichão. Deitou seu corpo cansado contra o verde solo e se iludiu com o azul do céu. Tocou a terra com a ponta do dedão lilás e com o calcanhar roçou um pedregulho acinzentado. Uma brisa empurrou alguns fios de Mirela para o interior de sua boca. A saliva seca petrificou os cabelos castanhos da moça branca. Dobrou o rosto contra o chão e viu um pequeno verme amarelo. Voltou seu queixo para o infinito e rezou por luz. Suspirou três vezes. Empalideceu alguns tons. Em meio ao campo tranqüilo, Mirela fechou seus olhos, abriu sua boca e permitiu-se ser enterrada sem grandes cerimônias.

_prefiro os DOMINGOS.

Tenho medo das segundas.

As terças já me dão preguiça.

As quartas sempre me confundem.

Enlouqueço brevemente nas quintas.

Suicido-me lentamente nas sextas.

E aos domingos ressuscito, pronto para me jogar de mais um precipício.

terça-feira, 15 de julho de 2008

_Teu/ Tua.

Tua pele.

Tua cor.

Teu timbre.

Tua voz.

Teu sonho.

Teu tremor.

Tua linha.

Tua reta.

Teu lábio.

Teu pêlo.

Teu suor.

Teu jeito.

Tua fala.

Teu brinco.

Teu gozo.

Teu sabor.

Teu arrepio.

Tua saliva.

Tua mordida.

Teu momento.

Teu passo.

Tua corrida.

Teu salto.


Teu, sou todo teu.


Tua única lástima és tu não seres meu.

segunda-feira, 14 de julho de 2008

_Lençóis não tão brancos.

Sob lençóis não tão brancos fizemos nossa história. Embaixo da bagunça dos nossos lençóis construímos castelos de areia e sonhos de mentira. Em cima de lençóis não tão brancos, amassamos nossas peles e enrugamos nossos destinos. Sob lençóis não tão brancos, sufocamos um ao outro, fechamos nossas gargantas, cobrimos nossos ouvidos. Entre os lençóis não tão brancos, no meio de uma madrugada qualquer, se descobriram pedaços de panos amarelos. Na manhã daquele dia, antes de eu abrir os olhos, você se despertou de seus lençóis não tão brancos, e me sufocou com sua fronha sem cor nenhuma.

sexta-feira, 11 de julho de 2008

_Contra o tempo.

Sei que está na hora. Mas me dá mais quinze minutos? Não pode? Dez. Dez minutos, então?... Cinco? Me leva junto se possível. Eu não faço barulho. Não incomodo. Prometo. Me guarda em uma gaveta do teu armário que eu respiro baixinho. Eu juro. Me leva. Me leva e ilumina meu caminho de verde com os teus olhos e faz da minha vida essa molecagem - doce – feito – amendoim, feito merengue com chocolate. Leva?


Deixa comigo. Deixa comigo esse perfume de recém-nascido. Deixa pra mim esse espírito de muito vivido. Deixa no meu travesseiro os teus sonhos para que eu possa dormir mais tranqüilo de madrugada. Deixa?


Me dá mais cento e vinte segundos, vai! Tira da mala as cuecas, o creme de barbear e deita aqui comigo. Esquece as nuvens lá de cima e dorme um dia inteiro do meu lado, com o corpo embaralhado, como foi ontem, como poderia ser amanhã. Mas amanhã não tem mais tempo... Sinto que o tempo virou uma bomba relógio no meu pulso - TIC TAC - que te leva contra o vento e me deixa em solo úmido. Não imaginei teu surgimento, muito menos teu sumiço. Amanhã TU vais, mas pra sempre TU permaneces. E isso, não há tempo que apague, Varig Boy.

segunda-feira, 7 de julho de 2008

_quero pena.

Ontem à tarde tava quente. 36º. Me sentei no parapeito da janela em busca de brisa. Nem um sopro para minha consolação. Uma pena caiu sobre o meu joelho. Permaneci imóvel, estático, observando o elemento leve e branco que fazia cócegas de vez em quando sobre minha pele. Uma brisa passou. A pena se foi. Eu fiquei. A espera de mais brisa, ou quem sabe, de mais pena.

sábado, 5 de julho de 2008

_prazer maior.

Assumido. Gosto de beber, fumar, comer gordura, proteína em excesso, carboidratos aos kilos, sou apaixonado pela minha preguiça, detesto coisas verdes, gosto de sexo com homens, com mulheres, com mulheres e homens, sou fissurado em um travesseiro, em um porre, em uma dor de cabeça, em um bate-boca, em um problema, drama, sujeira, noite sem fim, msn, música ruim, putaria da internet, msn, não leio jornal e não vejo televisão. Não nasci para acrescentar nada ao mundo. E é justamente isto que me torna feliz. Ter a liberdade de fazer parte do núcleo invisível dos indivídiuos que compõe a escória do planeta imundice. Por vezes, nem eu lembro meu nome! Sou um nada, porém não sou vazio. Jamais.

_Senta e chora.

Tropecei duas vezes no mesmo lugar, no mesmo dia. Cheguei em casa e derrubei o mesmo copo de plástico azul no chão três vezes. Três! Na terceira, o copo lascou. Fui tomar um banho e queimei a resistência pelo tempo excessivo da ducha. - Ou sou demais para o chuveiro ou ele é pouco para mim, pensei desprovido de lógica. Fui me secar. Todas as toalhas molhadas. Vesti o blusão sobre o corpo encharcado e sai descalço pela casa fazendo uma trilha de pequenas poças por onde passava. Pisei em um prego solto que estava no chão. - Como, cacete? Não prego nada há séculos! Enfim... Abri a geladeira faminto como sempre. Ao pegar a panela que comportava minha única possibilidade de janta, sem querer virei a panela no chão. Obviamente, ela caiu com a parte superior destampada virada para o chão. Adeus janta, adeus moral. Pensei o que fazer. Não havia o quê. Então, sentei, respirei fundo e chorei.

quarta-feira, 2 de julho de 2008

_Tão simples assim.

Eu estava sentado na beira do mar quando ele veio e se juntou a mim. Olhou nos meus olhos e em seguida mirou o horizonte finito. Não perguntou meu nome, muito menos o que eu fazia ali. Pegou na minha mão e passou seu dedo indicador sobre uma de minhas veias. A maior delas, a mais verde-escuro delas. Senti uma ardência sobre a pele. Se aproximou do pé do meu ouvido e soprou um vento de suspiros vazios. Levantou-se, cutucou a ponta de seu pé esquerdo na espuma branca do mar e olhou para trás. Correu com seus olhos pelo local onde eu estava. Me encontrou em um ponto mais distante de onde havia me deixado. Estranho. Muito estranho. Escavou com suas unhas limpas uma estrela do mar enterrada. Vinha em minha direção cada vez mais rápido com seu presente em punho, porém nunca me alcançava. Quanto mais corria com sua estrela, mais me perdia de vista. Sem eu nem mesmo me mover, eu me arrastava contra a areia maciça, cuja solidez em breve virou movediça, e me tragou para o centro da terra, para o centro de mim mesmo. Numa velocidade surpreendente, ia me afastando do misterioso sujeito, que semelhante a um passe de mágica surgiu em minha vida, me encantou com sua pretensiosa beleza, mas que esqueceu apenas de perguntar o meu nome. Tão simples assim.

terça-feira, 1 de julho de 2008

_entre o Paraíso e o Inferno.

Um floco de gelo entrou pela minha janela. Ao atingir o chão, a unidade de neve derreteu contra o carpete quente. Olhei abismado. Me aproximei do parapeito e percebi uma quantidade absurda de outros flocos vindo em minha direção. Fechei as janelas num ato veloz de pânico, enquanto ouvia a bola de neve crescente engolir o que via pela frente. Corri em desatino pelas escadas do corredor. Podia ouvir ao longe os vidros em altos estilhaços. O chão tremeu. Um frio congelante empedrou a maçaneta da porta de saída. Com o extintor de incêndio em mãos, quebrei a fechadura. Ao abrir a porta, me deparei com um novo mundo, cuja aparência me confundiu brevemente entre o paraíso e o inferno. Cabia a mim escolher em que solo iria pisar.