quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

_planeta cor de azedo.

Momentos.
O que são eles, se não lapsos de tempo agitado perdidos em segundos vazios?
Encosto minha nuca contra a parede branca gelada. Acendo um cigarro, pressiono o pé direito contra o concreto vertical e sufoco umas das minhas mãos no bolso. E assim penso. Penso no todo que é certo, no todo que é torto, no todo que é só ilusão. No todo que é só medo.
O medo existe. Fato. E circula tanto no meu sangue quanto no teu. O medo é latente, metafórico, concreto, bipolar. O medo é pesado, denso, mas voa com o vento, pensamentos. Eu penso.
Talvez ele seja o grande fio que mantém a humanidade em certa unidade. Mais do que a felicidade, a tristeza, a fome ou o sexo. É ele a grande aliança, a ovelha negra, o mal quisto, o que se fecha as portas e se lacra as janelas.
Como que por impulso, ou instinto de pura sobrevivência, decidi vivê-lo e não renegá-lo. Decidi dizer sim ao invés do castrador não. Escolhi o medo, como quem escolhe um doce picolé de uva, e permiti me lambusar desse azedo sabor.

Seja bem-vindo ao planeta medo.

sexta-feira, 31 de julho de 2009

_de tudo um pouco. do pouco fizemos o todo.

Depois de acordar, abra a janela.
Ele estará alí, de asas abertas,
Pronto pra te levar para um lugar só teu.
Verde, amarelo, azul, turquesa.
Quem sabe as cores do teu caminho?
Eu sei.
Vejo o sol, vejo o claro, vejo o céu.
Vejo o meu, vejo o teu, junto ao nosso.
Do que um dia foi único, presente singular.
E que guarda num futuro, o múltiplo, o não individual.
Sinta o vento que corre pela rua.
Pegue um floco perdido de nuvem preso no fio de luz.
Amarre uma linha e faça dele uma pipa.
Uma bandeira.
Um arco e flecha.
Dê um nó nos seus medos, seus dedos, pensamentos.
Solte o verbo, exploda a fúria, corrompa o mundo.
O mundo que é teu, meu, nosso.
Fuja comigo para a beira do mar.
Conte as conchas, as estrelas, o sal.
Eu estou alí, em cada grão, em todos os lugares.
Sou alma morena, perdida no fim do oceano.
Venha ao meu encontro, numa terra que somente eu conheço.
E te mostrarei o mundo que eu fiz,
Só pra te esperar.

terça-feira, 28 de julho de 2009

_Três minutos para 00:00.

Estávamos sentados em um café no meio do Bom Fim. Entre um expresso e um chá, uma coca-cola e um cigarro, ela me contava dos seus últimos sonhos, da visita ao Teatro Nacional, dos seus achados e dos seus perdidos. Tudo era tão recíproco e palpável. Uma luz que atravessava o mural de vidro recortava seus detalhes contra a escuridão. Eu enxergava apenas o necessário daquele rosto suave, macio, aflito. Quando ríamos, o vapor quente de nossas bocas se dissipava contra o ar gelado da rua. Quando a lágrima escorria, congelava sobre nossas maçãs um sentimento que desprezava o atual. Nós queríamos mais, porque somos mais, uma vez que o pouco se tornou inacessível. O que temos em nossas mãos é de sabedoria limitada. O futuro... Quem sabe onde ele foi guardado? Se alguém souber, nos empreste a chave por três minutos. É tudo que precisamos. Vê-lo por somente alguns segundos. Quem sabe assim deixaremos de ser ateus.

Para minha amiga Coachpussy.

segunda-feira, 13 de julho de 2009

_Caio.

Caio teceu suas mãos em um novelo de lã feito gato.
Rasgou os lençóis que não lhe pertenciam e engoliu alguns botões caídos no chão.
Rolou no piso para coçar suas costas enquanto aguardava seu dono.
Miou na janela, raspou suas unhas contra a madeira da porta, esperou deitado no sofá.
Olhou para o relógio e viu a noite chegar, as nuvens passarem, as estrelas caírem.
Caio não era homem nem bicho. Caio era ser.

quarta-feira, 27 de maio de 2009

_mais um.

Sou um cara comum.
Mais um que transita pelo centro da cidade na volta pra casa.
Mais um querendo mais, desejando sonhar menos.
Mais um pegando o ônibus, almoçando correndo, dormindo depois do tempo.
Mais um criando coragem, voando mais alto, aterrisando os pés no asfalto.
Sou apenas mais um, viajando no tempo, quebrando os relógios, fechando as paredes.
Sou mais um, sou mais eu, sou aquele, aquele outro, sou ninguém.
Sou aquele que chora, que ri, que treme, que geme, que corre, bate, vive, morre. Todos os dias.
Sou todos em um só e sou um só em todos.
Sou um cara comum, apenas mais...

segunda-feira, 27 de abril de 2009

_mutantes.

A vida às vezes é debochada. Te dá caminhos tortos, feito veia no braço, galho de outono. Depois do desespero, te mostra que tudo era tão simples, tão mais perto do que se imaginava. O claro se torna óbvio, e mais uma vez damos risadas das lágrimas salgadas que marcaram nosso rosto.

A moral da história, é não seguir um padrão, não morrer na desilusão, não transformar a dor em pena, não se afogar na beira da piscina.

Construir o surreal faz parte, amadurece, dói ao não se concretizar, mas justamente por não se materializar é que te move, te mexe, te transforma. Em algo melhor? Nem sempre, mas te leva adiante, te retira do estado-estátua, e mais uma vez te modifica em algo que não se pode prever. Porém tal mutação é que vale a dor, pois este sim, é o único valor real que se pode ter.

segunda-feira, 6 de abril de 2009

_não mais.

Não sei pra onde correr. Pra onde fugir.

Quero me esconder embaixo da cama e esperar o dia passar, até que os postes da rua se apaguem.

Quero pegar o carro que eu não tenho e sumir do mapa. Pegar minhas malas, te levar no colo e "ir para nem Deus sabe onde".

Não quero mais sufoco, que estrangula minhas manhãs e assassina meus cinco dias sem mais cor.

Pra mim chega. Chegou.

segunda-feira, 30 de março de 2009

_Rehab.

Vício é coisa difícil, que embebeda, enlouquece, enche de fumaça, preenche de gozo.
Vício é delicado, pois domina, escraviza, te apaga do restante.
Vício de ti, daquilo, daquilo outro, de tudo.

Sou viciado. Sem ponderações. Bebo do exagero, vivo do demais.

Não quero ponto final. Quero mais é vício, sem cuidado, sem depois.

sexta-feira, 13 de março de 2009

_metereologia para o final de semana.

Os sopros anunciam nuvens brancas.
A terra úmida promete período fértil.
As ondas do rio acalmam o pensamento.
Os galhos secos comunicam a vinda de algo.
Algo inesperado e puro que nem o mais sensível arrepio pode prever. Por isso, pego o chimarrão e o cigarro, sento na janela e espero o sol nascer.

Quem sabe no final do dia, a noite não traga um tranquilo adormecer... quem sabe?

segunda-feira, 2 de março de 2009

_o segredo.

Estávamos deitados nús sobre um colchão sem lençóis. Ele virou devagarinho seu corpo pesado próximo ao meu ouvido e passou os dedos sobre meu cabelo ralo. Seus lábios cuspiam vontade enquanto suas mãos descobriam um segredo.

O segredo revelado é aquele que se esconde no lugar mais incomum do meu desejo. O peito.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

_funeral.

Um dia no céu. Outro beirando o fogo. Uma balança com engrenagem instável, que respinga desaforos e amança o peito com suspiros.

Segure minha mão e embale com seus pés sem medo. Solado na areia firme. Mãos ao vento aerado.
Uma boca que beija e afoga. Um corpo que pesa e soterra. Me enterre, sem cravos nem orações.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

_vida bela?

Meus olhos abriram. Meu corpo mal se mexe. Saí da cama sem idéias, sem vontades, ausente de movimentos. Sento aqui e exijo um pensamento. Busco uma explicação para dias e tardes que correm contra um tempo que me parece em vão. A lógica do viver por obrigação me parece irracional. O lúdico de viver o que se deseja me parece surreal.

O que se faz quando a mente bloqueia o corpo?

Não gostaria de ser mais um robô perdido em meio ao ferro velho que me entorna. Mas no fundo, me encontro traçando a mesma linha que todos, pagando minhas contas, comprando bebidas e cigarros, consumindo consumindo consumindo. O preço no final do dia são alguns sorrisos a menos, um corpo exausto e a pergunta que perturba: o por quê de tudo isso? A resposta é óbvia. A vida nem sempre é bela.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

_o quê e o quanto.

O que esperar?
Do dia que não nasce? Do tempo que não chega? Do som que não invade? Da água que não transborda?

O que esperar?
Do vento que não sopra? Da idéia que não acende? Do fogo que não queima? Do momento que não passa?

O que esperar?
Daquele que não se vê? Daquele que não se entende? Daquele que não se sente? Daquele.

O quanto esperar?
De mim nada posso dizer. Apenas sento e vejo a vida passar.

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

_Saudades do prédio cor-de-rosa.

Saudades do carpete de um velho prédio cor-de-rosa. Carpete que raspava meus joelhos e amaciava as minhas quedas. No prédio cor-de-rosa, a parede de selva me ameaçava com seus tigres invisíveis ao mesmo tempo em que paralisava o olhar dos mais velhos.

Eram muitos quartos, muitas paredes, muitas pessoas. Naquela época, meus medos eram poucos, minhas vontades limitadas, meu andar quase lento.

Das janelas eu via carros, ônibus, pombas. Enxergava os vizinhos, os restaurantes pequenos que vendiam viandas para o almoço, os namorados das minha tias, a prima que fumava escondida.

Ficava no terceiro andar, o apartamento do prédio cor-de-rosa. Para mim, parecia uma torre distante de tudo e de todos. Mas na verdade, estava mais próximo da realidade do que eu imaginava. Aquela era minha realidade.

Saudades do meu velho mundo.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

_fios.

Os teus cabelos ralos excitam meu arrepio.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

_planta baixa.

Meu timbre destroiu os vidros e azulejos. Rompeu portas e gavetas.

Minha casa é feita de cicatrizes. Um mapa em aberto, que não sugere caminho algum, apenas uma saída pela janela do meu quarto.