sexta-feira, 8 de outubro de 2010

_Apenas um.

tá quente, diferente, misturado.
tá subindo a lomba, descendo a rua, dobrando a esquina.
tá no topo das escadas, abrindo a porta, com o molho em punho para chavear nós dois.

no final do corredor a colcha é roxa, lilás, quente, suada.
o quarto é pequeno, de janela estreita, com abajur de bolinhas.
a luz é baixa, a fumaça é alta, o corpo é desenhado.
de manhã a mulher que mia. pela noite, as amantes que latem.

hoje ele é meu, amanhã sou dele, e assim revezamos, um pouco para cada.
na parede úmida, a Rainha estilo vogue, congelada numa pose em preto e branco, esboça inveja com olhar sincero, para aqueles dois que hoje são apenas um.


quarta-feira, 5 de maio de 2010

_ampulheta

O tempo do meu relógio não atingiu a conclusão precisa. O tempo que marca os segundos, esqueceu do meu passo e passou adiante, pra bem longe, distante.
Meus ponteiros congelaram diante do sol quente, feito pedra, sal, gelo sem forma. Forma.
O meu tempo era lúdico, indeciso, por vezes impulsivo. Esquecia suas próprias marcas e corria como se fosse livre, como se não pudesse ser preso, como se eu simplesmente não existisse.
Com o tempo, meu tempo esqueceu de mim. Esqueceu de si. Perdeu sua força e parou de girar, de correr, de sentir horário.
Meu relógio parou, largou do tic tac, do toc toc, do blim blim blim, e se entregou para um túmulo de areia, que de hora em hora gira, porém não deixa de sufocar.

quarta-feira, 31 de março de 2010

_selo.

Mania que eu tenho de acordar e continuar com os olhos fechados, vendados, selados.

Sono escuro, feito um túnel, um beco, caverna. Sinto o breu ao meu redor. Um invisível de paredes úmidas, com o piso liso, que deixa a respiração no vácuo e minhas mãos atadas com pés desequilibrados. Desequilibrado, eu?

Onde foram parar as janelas da minha casa? Onde estão as portas, os corredores, as escadas? Quem lacrou as fechaduras, engoliu as chaves, destruiu o cimento? Quem? Quem? Quem? é você?

Catei as balas de goma pelo caminho de terra. Uma trilha, atalho, destino cortado. Você não estava lá, nem aqui. Nem eu, nem ninguém. Acho melhor eu continuar cantando sozinho no bafo do chuveiro, escrevendo meus medos no espelho, esperando que o calor se transforme em água e borre os meus segredos.