segunda-feira, 30 de junho de 2008

O limão entrou na roda. E azedou.

O limão entrou na roda. Passou de mão em mão. Ele foi e voltou. E parou em mim. Olhei pro limão. Descasquei e chupei seu caldo ácido. O limão estava azedo. Bem azedo. Espremi entre os dedos em busca de um pouco de açúcar. O líquido queimou a palma da minha mão. Por instantes, apagou minhas digitais. Lambi o suco que escorria pelo meu pulso e logo joguei a fruta no lixo. Azedume não mata a minha fome. Mata a minha essência.

A louca da Rita.

Gotas de suor caíram sobre os longos fios de cabelos de Rita. Um vento vindo do norte, seco e abafado evaporou as lágrimas da testa da jovem. Antes de atravessar a rua em meio a tantos carros velhos e sujos, Rita contou até 15. A sinaleira foi para o VERMELHO sinalizando a paralisia do movimento dos corpos.

Uma senhora de idade olhava pela janela. Tirava a poeira do parapeito vinda do metrô estagnado em frente ao seu prédio. Dona Sueli não gostava da sujeira arrastada do subúrbio pelo gigante vagão de metal. Ao olhar para o asfalto, Sueli avistou Rita, que contava até quinze ao lado de diversos carros parados esperando o sinal VERDE.

Gabriel saia da padaria com seus seis pães franceses. Sentiu uma leve poeira cair sobre o papel pardo que embrulhava suas migalhas encubadas. Ouviu um suspiro de Martha que vinha em sua direção e em seguida uma freada brusca.

Rita não era FELIZ, obviamente. Dona Sueli não tinha o que fazer além de ficar na janela, obviamente. Gabriel não sabe o que ele tem a ver com a Sueli muito menos com a louca da Rita. Mas nenhum pode fugir do MEDO de ser “Rita” algum dia. A menina loira, rica e saudável, que um dia viu a loucura bater na sua janela devido ao desapego. Desapego do mundo perante suas idéias e paixões. Um colorido universo que infelizmente somente Rita conseguia decifrar suas cores. Ela podia ser TANTO se houvesse ao menos uma pupila atenta para seu umbigo. Porém, Rita não existia. Assim como Dona Sueli e Gabriel, que também jamais eram vistos, ou melhor, jamais eram PERCEBIDOS em meio ao caos urbano que trouxe a evolução do raciocínio humano. Mas a diferença entre os três seres invisíveis era o desejo de ser visto. A suicida não era louca. Era apenas ambiciosa.

Sim, faltou a Martha! Bom, a Martha era apenas mais uma em meio à multidão. Assim como todos NÓS.

quinta-feira, 26 de junho de 2008

_Corra, Fulano, corra!

Corra! Corra contra o tempo, pois todos já chegaram lá! Não vê os sorrisos? Não enxerga as mãos dadas? Não escuta as gargalhadas? Não deseja isso para você? Então corra, filho, contra tudo que você acredita e sente, pois para estar na postura alheia, deve-se matar primeiro. Matar a si mesmo, os seus sonhos, seus princípios. Pois os teus atuais não podem ser os mesmos para estar lá. Mas lá tá bacana, não é? Tá bonito, não é? Pois então, se mate e faça sua ressurreição como mais um. Apenas mais um. E seja feliz.

quarta-feira, 25 de junho de 2008

O medo de João

O maior medo de João era o escuro. O escuro imprevisível que tornava todos invisíveis. No escuro João não se encontrava. Esbarrava em pontas agudas enquanto feria seu corpo. Ouvia no fundo de algum lugar que não conhecia um eco esquisito e desconfortável. A temperatura no buraco negro é fria. Não sobe. Ninguém se mexe e ninguém se aquece. O escuro bloqueia, paralisa, emudece. Todos ficam quietos para ouvir. - Ouvir o quê? pensa João. Ouvir o primeiro corajoso a dizer “Estou aqui! No canto esquerdo perto da porta de saída”. Porém ninguém diz. Ninguém fala. Ou se esquece de falar. Ficar quieto sem ser encontrado em lugar algum talvez seja mais cômodo do que ser cutucado por um estranho no meio do caminho. E também ninguém se move. Estátuas humanas em meio a um espaço gigantesco a ser explorado. Espaço à principio que João talvez nunca conheça. Pois para falar em meio à escuridão, João precisa ser ouvido. E para ouvir, o que ele mais necessita é de um som, por mais distante que inicialmente possa soar. João só precisa que alguém diga: - Dá pra acender a porra da luz, por favor!